Especialistas criticam a insegurança jurídica. Para o procurador Ronaldo Fleury, com desmonte dos direitos trabalhistas e sem a aprovação da MP, os próximos governos terão de mexer novamente na legislação
Pressionado pelos empresários golpistas, que financiaram o golpe de estado de 2016 e cobraram a fatura, que está sendo paga pela classe trabalhadora, o governo ilegítimo e golpista de Michel Temer (MDB-SP) prometeu ao Senado que se a reforma Trabalhista fosse aprovada sem alterações, o que atrasaria a tramitação do projeto no Congresso Nacional, seria editaria uma medida provisória (MP) com mudanças pontuais à Lei 13.467, em vigor desde novembro de 2017. O Senado obedeceu, a MP 808/2017 saiu, mas não foi votada e perdeu a validade nesta segunda-feira (23).
Agora, além de ter perdido direitos históricos, os trabalhadores e trabalhadoras são vítimas também da insegurança jurídica, em especial as que tratam dos pontos mais cruéis da reforma que deveriam ser alterados pela MP, como o contrato de trabalho intermitente e a permissão para que grávidas trabalhem em locais insalubres, colocando em risco a saúde da mãe e do bebê.
Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, a aprovação a toque de caixa da lei de Temer e a não aprovação da MP demonstram o total descaso de Temer e seus aliados no Congresso Nacional para com a classe trabalhadora. E, como a gente alertou o tempo inteiro, era mais uma etapa do golpe e atingiria especialmente os trabalhadores e trabalhadoras.
“Eles não analisaram o texto da lei, apenas aprovaram o que os empresários golpistas e gananciosos mandaram. Depois, não deram a mínima sequer para a MP que alterava os itens mais nefastos dessa reforma nefasta”.
A secretaria de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, ratifica a análise de Vagner. Segundo ela, a rapidez com que aprovaram na íntegra do texto deixa claro que havia um grande acordo dos golpistas com o empresariado para acabar com os direitos do trabalhador brasileiro.
“Embora a MP não atendesse às mudanças necessárias na Lei, deixar que ela caducasse sem discutir com os trabalhadores e trabalhadoras foi mais um sinal da canalhice desse Congresso”, afirmou Graça.
“O compromisso de fazer as alterações necessárias foi uma grande mentira!”
Já o advogado trabalhista, Eymard Loguercio, “essa situação só aumenta a insegurança jurídica, uma vez que agora o único meio de corrigir cada caso é pela interpretação da nova legislação”.
“Agora volta uma discussão de aplicação da Lei que pode demorar anos, o que pode jogar para os ombros do Judiciário essa questão. Portanto, cada juiz, uma sentença”, diz.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, concorda que, sem a MP, aumentará ainda mais a insegurança jurídica gerada pela nova Lei.
“Quem vai definir o que de fato ocorrerá no dia a dia do trabalhador, o que vale e o que não vale, será o poder judiciário”.
O juiz cita como exemplo as horas pagas ao trabalhador do trajeto até o local de trabalho, uma vez que a reforma eliminou esse direito.
“Imagine o trabalhador contratado em janeiro de 2017: considerando-se que a reforma extinguiu esse direito e a MP determinou a aplicação aos contratos antigos, esse trabalhador teve o direito às horas de trajeto até o dia 13 de novembro, quando a MP entrou em vigor. Porém, como a MP caducou nesta segunda, a reforma já não mais se aplicaria aos contratos antigos, e então esse trabalhador voltará a ter esse benefício. Uma confusão imensa”.
“A reforma trabalhista é um retrocesso assustador vendido como modernidade”, critica, ao reforçar que “vai demorar a pacificar a jurisprudência da reforma e que até lá a confusão será imensa”.
A mesma avaliação tem o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury. Para ele, a reforma Trabalhista traz mais insegurança do que segurança jurídica ao inserir no Direito brasileiro novos instrumentos que acabam legalizando questões antes consideradas fraudes trabalhistas.
“Um exemplo é a questão da pejotização. Antes, só era admitida se realmente houvesse a prestação de serviço. Agora, pela reforma, até a empregada doméstica pode ser PJ”, diz.
Previdência Social
O procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury, explica também que a nova legislação trabalhista afeta a arrecadação da Previdência Social e benefícios como licença-maternidade e auxílio-doença, já que vai ter trabalhador que não vai ganhar sequer um salário mínimo, como o caso dos trabalhadores com contrato intermitente – aquele que paga por hora trabalhada e não há garantia de jornada ou remuneração mínima por mês.
“A MP, que não foi aprovada, regulamentava a forma de complementação dos valores dos recolhimentos para efeitos da Seguridade Social, que são aqueles benefícios como licença maternidade e auxílio doença, e para efeito de contagem de tempo serviço e aposentadoria”, explica.
“Essa questão da Previdência e a queda da arrecadação de receita é algo que será um tiro no próprio Estado brasileiro”.
Segundo o procurador, ninguém mais sabe como vai fazer para efeito de aposentadoria, como contabilizar esse tempo de serviço, o que obrigatoriamente fará com que futuros governos tenham que modificar novamente a legislação trabalhista.
“Eu tenho certeza de que muitas mudanças ocorrerão oriundas da interpretação da norma. E os próximos governos terão de mexer novamente na legislação. Caberá ainda à Justiça Trabalhista e ao Supremo se debruçarem sobre o tema”, avalia Fleury.
Tramitação da reforma
A rapidez com que a legislação trabalhista foi alterada, com tramitação quase que em tempo recorde foi outro ponto criticado pelos especialistas. Eles lembram que, apenas três dias depois de aprovada a nova Lei Trabalhista, o governo encaminhou a MP 808, que recebeu 967 emendas ao texto, um recorde histórico.
Segundo presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, foi um prazo muito curto para mudanças tão substancias no direito do processo de trabalho.
“Vieram com o jargão de que “o Brasil tinha pressa”, venderam a ideia de que retirariam os excessos, que tudo seria resolvido com vetos e com a MP – que veio já no apagar das luzes de 2017. Isto demonstra que foi um pretexto para aprovar a reforma sem vetos”, analisa o presidente da Anamatra.
Para o advogado do direito do trabalho, José Eymard Loguercio, essa MP foi uma tentativa de acordo político entre a base do governo, que sabia que a Lei era ruim, e o Palácio do Planalto, que queria a celeridade da reforma.
“Isso já demonstra que a própria reforma como foi feita e, para a finalidade que foi feita, traria insegurança para os trabalhadores e trabalhadoras”.
Congresso da Anamatra
A reforma Trabalhista e sua aplicação será tema de debate no 19º Congresso Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), de 02 a 06 de maio, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Publicado: 25 Abril, 2018 – 12h55 | Última modificação: 25 Abril, 2018 – 15h06
Escrito por: Rosely Rocha, especial para Portal CUT
Antonio Cruz / Agência Brasil
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